Esmeraldo Lopes
A
indiferença... Disse Antônio Gramsci, filósofo italiano: “A indiferença é o
peso morto da história”. Talvez, um talvez quase certo, outras pessoas antes e
depois de Gramsci, tenham chegado à mesma conclusão e a tenham expressado da
mesma forma ou de forma análoga. De qualquer modo, todos aqueles que tenham se
defrontado com situações que os conduziram a ela, suspiraram frustração,
decepção, tristeza, angústia, desespero. E ao expressarem o remoído desses
suspiros, não o fizeram pelo simples assoprar de palavras, nem por vaidade.
Pronunciaram palavras encorpadas em fatos, em circunstâncias. Assim, a frase, como
qualquer frase parida através de palavras encorpadas, carrega consigo a
consistência de sentença inabalável, pesada, com solidez de rocha. Mas a sua
apropriação banal lhe retira o corpo, o peso, a solidez, transformando-a em
mero ornamento de discurso. E o reencontro de sua substância só pode ser
conseguido por quem se disponha a visitar, por reflexão ou por observação
acurada, situações similares às que lhe deram nascença, a sentir gosto de fel,
a se defrontar com as misérias da condição humana.
“A
indiferença é o peso morto da história”. Frase que embala o sacolejo de língua
na boca de ignorantes, na boca de muitos sindicalistas, comunistas, liberais,
trabalhadores intelectuais. Os ignorantes que a assopram, o fazem sem detenção
no seu sentido, como um simples modo de falar algo por terem ouvido e achado
bonito. Vivem no mundo da pura sensação. Comem, dormem, reproduzem-se e se
massageiam com futilidades. São seres tão sem ser que tomam a covardia como
ponto de apoio de suas existências, vendo nela manifestação de sabedoria e são
incapazes de ver nexo entre suas posturas e as ocorrências ao seu redor. As
coisas são assim porque é assim que são, pensam. Coitados! Mas, o que dizer de
elementos bem informados, enfronhados em entidades sociais e políticas, ocupantes
de cargos, de posições relevantes, e que, embora vivam a falar que “a
indiferença é o peso morto da história”, mantêm-se com postura de indiferença
ante problemas que despontam em suas frentes? Estes não podem e não querem
reivindicar o benefício da ignorância. Procuram se safar através de disfarces, de
justificativas banhadas em erudição, de presumíveis fundamentações contextuais.
Alimentam-se na mesa da covardia e deitam no leito dos canalhas. Sabem o que
são e são perigosos. Como disse Dostoievski, “um canalha astuto, que conhece o
seu negócio, acusa esse mesmo meio e sua influência a fim de dissimular não só
as próprias fraquezas, como também a própria indignidade, principalmente quando
sabe falar bem e escrever melhor.”
O
que me levou a puxar este assunto foi o sucedido com um professor. O nome dele
é João Monteiro e ministrava a disciplina Geografia em certo colégio do Rio de
Janeiro. Tomei conhecimento de sua existência pelo noticiário da imprensa, no
começo deste mês. E o motivo do noticiário foi que a Federação Israelita do Rio
de Janeiro, ao saber do que ele fez em sala de aula, pôs-se a acusá-lo de anti-semitismo,
questionou a direção da escola, que o demitiu de pronto, e abriu um processo
contra ele na Justiça. No miolo da história, o fato do professor haver, em uma
prova, apresentado uma charge com dupla face, onde em uma aparecia um soldado
do Exército Nazista subjugando um judeu e na outra um soldado do Estado Judeu subjugando
um palestino, acompanhada pelo enunciado: “Conforme é sabido, os judeus foram
perseguidos por Hitler durante o Nazismo. Atualmente um determinado povo é tido
como vítima dos israelenses, tendo que viver em assentamentos isolados
controlados por Israel. Chegaram invadindo, tomando terras e assassinando...
Quem será pior? Nazistas ou Judeus?” Li e reli o escrito, observei a charge,
fiz reexame. Meu intento: procurar mancha anti-semita. Não encontrei nenhuma.
As imagens representadas na charge, o texto, apenas constatam o que é visível,
real, inquestionável. O professor cumpriu seu papel, referindo-se ao assunto
não poderia proceder de outra maneira, sob pena de camuflar verdade. Então
pergunto: o que quer a Federação Israelita do Rio de Janeiro? Impor silêncio?
Plantar amedrontamento para ocultar a realidade? Pretende utilizar aqui os
procedimentos que a Gestapo utilizou na Alemanha? Esconder os procedimentos que
o Estado de Israel leva a cabo frente aos palestinos? Que Israel comete
genocídio contra o povo palestino é cristalino. Basta acompanhar o desenrolar
de qualquer lance do conflito estabelecido. E digo mais: para mim está claro
que o objetivo do Estado de Israel é a eliminação completa do povo palestino e
a tomada integral de suas terras. “Ah!”, dirá a Federação, “não pode confundir
ação do Estado de Israel com o povo judeu”. Onde estão os protestos dos judeus
diante dos massacres que seu Estado promove contra os palestinos? Há protestos,
sim, mas de poucos, de pouquíssimos judeus. A massa, noventa e nove vírgula
nove por cento se posta diante da questão com aplausos e omissões. Portanto,
neste caso, é difícil diferenciar o Estado do povo que ele representa. Por isso, o professor não fez mais que cumprir
sua obrigação educacional e tem meus aplausos. Mas o que é que tem a ver, o
dito neste parágrafo com o assunto corrido no início deste escrito? Tudo.
Enquanto a Federação Israelita avança sobre o professor, a escola o demitiu, a
imprensa noticiou o ocorrido de modo tendencioso, poucas pessoas, não mais de
uma dezena, se posicionaram a favor dele nas redes sociais. Nenhum jornalista
se pôs com seriedade no fato, nenhum político se pronunciou, intelectuais
emudeceram. Sindicatos, associações de professores calados. A liberdade de
expressão e dever profissional decretados para o cemitério. E enquanto isso, o
professor João Monteiro sozinho, zanzando no deserto, açoitado pelo silêncio
canalha da indiferença. Indiferença dos que dizem que “a indiferença é o peso
morto da história”.
29-09-2014
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